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NÃO BASTA ECONOMIZAR ÁGUA: SOLUÇÃO DA CRISE HÍDRICA DEPENDE DE MEDIDAS DE LONGO PRAZO

Apesar do fraco regime de chuvas do ano passado, o governo do Rio de Janeiro foi enfático no primeiro semestre de 2015: não faltaria água na Região Metropolitana do estado. Em março, o secretário de Estado do Ambiente André Corrêa ainda garantiu  que só enfrentaríamos um racionamento em 2016 caso a quantidade de chuvas deste ano fosse muito inferior à do ano passado –que foi considerado o pior da história. “Temos água suficiente para atravessar o ano”, garantia o secretário.

No final de agosto, o mesmo André Correa, em entrevista para uma emissora de TV, disse que até novembro o Rio de Janeiro deve ficar “na bica do volume morto” dos reservatórios do Paraíba do Sul. Esses reservatórios são responsáveis por abastecer o Rio Guandu e, consequentemente, a capital e a Baixada Fluminense.

Por hora, o que tem garantido o abastecimento da população são as frequentes reduções de vazão da barragem de Santa Cecília, que faz a transposição do Rio Paraíba do Sul para o Rio Guandu. Antes da crise hídrica, a barragem recebia 190 m³/s, dos quais 119 m³/s eram repassados para o Rio Guandu. No dia 26 de agosto, no entanto, as vazões foram reduzidas para, respectivamente, 110 m³/s e 75 m³/s. Essa redução de vazão prejudicou as indústrias da região do Guandu pois permitiu que água salgada da Baía de Sepetiba invadisse o rio e inviabilizasse a captação de água.

As reduções, no entanto, garantiram, junto com as campanhas de conscientização e o combate a vazamentos, a economia de 1,5 milhão de litros, nos cálculos do governo do estado. Ainda assim, os reservatórios do Paraíba do Sul, de acordo com boletim de monitoramento da ANA (Agência Nacional de Águas) do dia 17 de setembro, tem 8,11% de volume útil (acima do volume morto) acumulado. Em 15 de setembro do ano passado, esse volume era de 15,6%, quase o dobro em um ano considerado escasso.

Apesar da economia, a redução em  Santa Cecília acaba afetando outras cidades do estado abastecidas pelo Paraíba. São João da Barra, município onde o rio deságua no oceano, tem sofrido com a mesma sanilização que atrapalha a produção industrial no Guandu. Além de São João, todas as demais cidades abastecidas pelo Paraíba, como São Fídelis, Sapucaia, Barra do Piraí, Vassouras, Barra Mansa e Três Rios, tem enfrentado dificuldades acentuadas, precisando rebaixar suas captações ou procurar fontes alternativas de abastecimento em poços e riachos.

A falta de água também ameaça ou já ocorre em municípios do Leste Fluminense e Região Serrana. Em Magé, a seca reduziu drasticamente a quantidade de água disponível no Rio Paraíso e no Riachão de Lagoinhas, levando a população a culpar a CEDAE pela falta de água. Niterói e São Gonçalo ainda não sofrem com a falta de água, mas a redução do volume do canal de Imunana, abastecido pelos rios Macuco e Guapiaçu, acendeu o sinal de alerta do poder público. Itaboraí, que historicamente sofre com dificuldades de abastecimento, tem visto sua situação se agravar. A colônia japonesa de Nova Friburgo cancelou a tradicional Festa da Cerejeira também por falta de água.

A situação na qual nos encontramos poderia ser evitada se houvesse maior interesse no saneamento básico por parte do governo estadual. No entanto, não adianta chorar o leite (água) derramado(a). O momento é de arregaçar as mangas e buscar alternativas para evitarmos que esse tipo de situação perdure ao longo dos anos, pois a tendência é, sim, ficar muito pior com o crescimento populacional e a cultura de desperdício do brasileiro, que leva anos para ser modificada.

O governo precisa, através do Inea, da Secretaria de Estado do Ambiente (SEA) e da CEDAE se reunir com sindicatos, comitês de bacias, ONG’s ligadas ao meio ambiente, universidades e demais representantes da sociedade civil para a elaboração e aplicação de medidas estruturantes, duradouras. A redução de vazão, os combates a vazamentos e as campanhas de conscientização tem dado resultados e merecem elogios, mas não irão resolver o problema sozinhas.

O reflorestamento das matas ciliares, por exemplo, é apontado por especialistas de forma unânime como uma medida eficaz para combater o estresse hídrico. A vegetação nas margens evita o assoreamento dos rios e resevatórios, além de absorver mais água das chuvas para os lençóis subterrâneos. Estudo da USP aponta que o desmatamento aumenta em 20 vezes a perda de água da chuva. No Rio de Janeiro, o rio Guapiaçu é um dos que podem perfeitamente ser recuperados dessa maneira, pois sua vazão caiu 65% devido ao desmatamento no seu entorno, de acordo com o agricultor Rolf Dieringer, diretor do sindicato dos produtores rurais da região. Ao invés da recuperação, o governo prefere a construção de uma mega barragem que irá afetar 700 famílias e toda a cadeia produtiva da região, ao custo de R$ 250 milhões. É uma medida que não traria resultados imediatos, mas garantiria boas vazões de água em 10 ou 15 anos – e a seca que enfrentamos no momento deixa claro o quanto precisamos nos preocupar com o futuro.

Outra medida, esta com resultados mais imediatos, seria a coleta seletiva de lixo. Na periferia, que sofre com a falta de serviços básicos, os moradores costumam jogar o lixo nos rios para não precisar deixá-lo dias nas calçadas. Um plano conjunto, liderado pelo governo do Estado com as prefeituras e lideranças comunitárias poderia apontar soluções para essa questão e reduzir a poluição dos rios.

Essa é outra questão urgente: a despoluição dos rios da Região Metropolitana através de investimentos pesados em saneamento básico e coleta de lixo. Levantamento do biólogo Mário Moscatelli aponta que, dos 55 rios que deságuam na Baía de Guanabara, 47 estão tão poluídos que não tem condição de abastecer a população. “Se o processo começar em breve e for levado a sério, em pelo menos 20 anos poderemos usar a água potável dos rios”, afirmou o pesquisador em agosto ao jornal O Dia. Um dos poucos rios em condições de fornecer o abastecimento é o Guandu, que nem assim escapa dos efeitos da poluição. Matéria do jornal O Globo de novembro do ano passado aponta que 48,3% da água que chega ao rio é despediçada devido à poluição vinda da Baixada Fluminense através de afluentes. Com as reduções de vazão, passado quase um ano da publicação da matéria é bem provável que a situação tenha piorado.

O mapeamento de todas as fontes de água do Rio de Janeiro realizado pelo Inea também é uma iniciativa extremamente importante. O estado é rico em água potável, mas grande parte se perde em poços mal feitos ou sequer é aproveitada por ser desconhecida. “Temos estudos e projetos em áreas prioritárias para a proteção de mananciais, melhorias de abastecimento e coleta e tratamento de esgoto, apoio dos municípios na remediação de lixões, fortalecimento da regularização do uso da água e a criação da rede de informações”, afirmou a diretoria do instituto Eliana Barbosa durante audiência da CPI da Crise Hídrica em abril deste ano. A saída da crise hídrica passa pela combinação das medidas de curto e médio prazo (redução de vazão, campanhas de conscientização, coleta seletiva e combate a vazamentos) com as ações de longo prazo, como investimentos pesados em saneamento básico, recuperação florestal e mapeamento dos mananciais. Mas, por serem medidas que levam tempo a dar resultados ou por vezes muito onerosas, acabam sendo preteridas pelo imediatismo dos políticos, mais preocupados em renovar seus mandatos de quatro em quatro anos do quem em garantir um bem-estar duradouro para seus eleitores. A população tem que fazer sua parte e economizar água, é claro. Mas, se o poder público não agir de forma contundente, vai chegar um momento em que nem haverá mais água para economizar.