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Cid Curi: Um tiro no pé

A partir de 2017, a privatização da Cedae começou a surgir como uma opção do governo do Rio de Janeiro para se obter aporte de dinheiro que permitisse a redução do déficit mensal no fluxo de caixa, garantindo o pagamento da folha de pessoal. As discussões sobre o tema, no entanto, assim como não destacavam as consequências desastrosas de se colocar um serviço essencial à vida em mãos privadas, não explicavam o que seria feito depois que o aporte, suficiente para quitar a folha por apenas três meses, fosse utilizado. Aos problemas financeiros que continuariam, se somariam as dificuldades de administração dos efeitos de uma privatização tecnicamente contraindicada. Ou seja, tiro no pé.

A ideia foi seguindo, e o governo estadual fez um empréstimo no Banco Paribas, com aval do governo federal, tendo ações da Cedae como contragarantia. Além disso, aceitou incluir a privatização da companhia no acordo com a União para a suspensão temporária do pagamento de sua dívida. Mas por que, para a recuperação financeira, é necessário vender uma empresa altamente lucrativa, que rende dividendos?

Depois que o Estado passou a ter arrecadação suficiente para colocar a folha de pessoal em dia, a justificativa para a privatização passou a ser a necessidade de pagar o empréstimo ao Paribas. Agora que já há na legislação estadual meios de o governo quitar essa dívida sem utilizar um centavo de suas previsões orçamentárias, a alegação para vender a companhia é somente o absurdo da narrativa privativista.

Alguém realmente acredita que a iniciativa privada vai fazer todos os investimentos necessários à universalização da prestação do serviço de água e esgoto, em regiões que não dão retorno financeiro, e, daqui a 30 anos devolverá tudo ao poder público?

Em várias cidades do Brasil e em torno de 300 do mundo, os serviços de água e esgoto foram reestatizados por causa de insatisfação. Mas a falácia privativista não permite o debate amplo, técnico e aprofundado sobre o tema. Se permitisse, estaríamos falando mais sobre o fracasso da privatização, em 2012, do serviço de esgoto na área da AP5 (Deodoro a Santa Cruz). Oito anos depois, não há aumento da prestação do serviço com a expansão da rede coletora, não há progresso em direção à universalização.

O que move um governo a querer caminhar em direção oposta às indicações técnicas e sociais e ir na contramão do mundo, em oposição à vontade da população? Há resposta consistente para a pergunta? Que urgência é esta que faz com que os procedimentos para a privatização da Cedae fossem colocados na rua durante pandemia, num cruel ato de antigoverno. Essa medida, inclusive, limitou a participação dos representantes das camadas sociais que serão mais afetadas, uma vez que audiências foram on-line. Aliás, Wilson Witzel, agora governador afastado, foi eleito afirmando que não iria vender a empresa. A eleição funcionou como um plebiscito indireto. E a vontade dos eleitores, independentemente do destino do governador, deveria ser respeitada.

*Cid Curi é engenheiro sanitarista e ex-presidente da Cedae 

Artigo publicado no Jornal O Dia na edição do dia 18/09/2020